Com um grande número de mortes e as restrições às despedidas impostas pela Covid-19, emergiu a necessidade de se criar alternativas e reinventar os rituais de despedida para oferecer amparo e conforto aos familiares e amigos das pessoas falecidas.

Nas mais diversas cidades brasileiras, houve muitas mudanças nos procedimentos de velório e enterros com os quais estávamos acostumados antes da pandemia. Para as mortes causadas pela doença, a determinação majoritária é de que o caixão permaneça lacrado e que siga direto para o cortejo.

Ainda é cedo para medir todos os impactos e as heranças que restarão deste cenário trágico, mas não faltam discussões sobre o luto de quem perdeu entes queridos em meio à pandemia.

História repetida

Olhar para o corpo e visualizar que alguém está morto é a forma como compreendemos que o ser humano se foi. No entanto, não é a primeira vez na história em que não se pode passar por esse ritual.

Na epidemia do HIV, nas décadas de 1980 e 90, quando ainda havia poucas informações sobre a condição e um forte estigma, os falecidos também eram enterrados em caixões lacrados.

Na época, os caixões eram fechados com pregos e, no enterro, era adicionada uma camada de cal por cima para acelerar o processo de decomposição do corpo. Os restos mortais eram retirados antes de dois anos, pois acreditava-se que eles poderiam continuar disseminando a doença caso continuassem no local.

Outras culturas também já passaram por traumas parecidos recentemente. Na epidemia de ebola no continente africano, entre 2013 e 2016, as comunidades não puderam lavar os corpos de seus mortos, um ato que, na religião muçulmana, é essencial para a purificação.

Pular este momento pode agravar a dor da perda e prejudicar o processo de luto.

Consequências ao processo de luto

Alguns estudos das áreas de psicanálise e psicologia indicam que, entre as depressões mais difíceis de curar, estão as decorrentes do luto mal feito, interrompido ou não reconhecido.

No contexto ocidental, em que a morte está diretamente ligada ao sofrimento e à perda, é saudável viver um luto normal para que se possa sair dele posteriormente.

O processo de luto à distância é muito mais difícil de encarar. É como se o ser humano não se convencesse da perda, uma vez que a visualização do corpo durante o velório é uma maneira de transformar a imagem de uma pessoa viva em alguém que já se foi.

Os especialistas acreditam que, no futuro, haverá mais quadros de pessoas com problemas psicológicos devido ao luto mal feito, por não terem conseguido superar a expectativa de se despedir da maneira tradicional.

Reinventando as despedidas

É consenso entre os especialistas que devemos criar alternativas para este ritual de passagem, tendo em vista as limitações da pandemia. E mais: o amparo e conforto aos familiares, parentes e amigos ficaram ainda mais importantes para evitar complicações no luto.

Há de se levar em consideração que as pessoas não morrem de forma semelhante, nem mesmo entre as vítimas da Covid-19. Há aqueles que falecem em casa, em hospitais sem o último adeus, longe de seus entes mais amados e assim por diante. Cada tipo de morte pode gerar diferentes repercussões nos enlutados.

Entre algumas das estratégias de suporte e apoio emocional que podem ser adotadas para cada momento estão:

Revezamento nos grupos aptos a comparecer ao velório;

Ligações por vídeo durante o velório com aqueles que não puderam comparecer;

Memorial em casa, com fotos, velas e uma pequena cerimônia

Envio de coroas de flores para homenagear a pessoa falecida e dar apoio aos familiares;

Livro de visitas online, no qual os conhecidos podem oferecer suas condolências;

Cerimônias religiosas, virtuais ou presenciais;

Homenagens póstumas em datas significativas.

Independentemente da maneira de sentir o luto encontrada pela família, é primordial que todas as medidas de prevenção contra a Covid-19 sejam prioridade para que a tragédia não se torne ainda maior.